O levantamento realizado pela RK Partners apontou que a geração de lucro das companhias ainda é inferior ao valor de suas dívidas
Mesmo com a trajetória de queda da taxa Selic, a situação financeira das empresas de capital aberto não foi aliviada. Com a alta de juros e crises no mercado de capitais, um quarto das empresas não gera lucro suficiente para quitar as suas dívidas. Apesar disso, especialistas apontam para uma melhora desse cenário no próximo ano.
Conforme uma pesquisa conduzida pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe), a maior parte das organizações com ações negociadas em bolsa não é capaz de suportar suas despesas com os recursos financeiros disponíveis em caixa. Mesmo com o afrouxamento monetário, as companhias ainda sentem o efeito do último período de juros elevados.
Levantamento da RK Partners
Uma pesquisa realizada pela consultoria especializada em reestruturações, RK Partners, mostrou que as taxas de crédito para capital de giro caíram de 30,3% em janeiro de 2023 para 27,3% no mesmo período desse ano. Segundo o fundador da empresa, Ricardo Knoepfelmacher, “o número de consultas que temos recebido de empresas com endividamento acima de R$ 200 milhões aumentou bastante”.
O estudo da RK revelou ainda que, entre as empresas de capital aberto, 27% geram menos lucro em relação as suas dívidas anuais, sendo o maior percentual visto desde o primeiro trimestre de 2019. De acordo com Ricardo K., o mercado de capitais está bastante seletivo depois de casos ocorridos com as empresas Americanas e Light, além disso, a queda de juros demora de 18 a 24 meses para ter efeito nos caixas das empresas, sendo assim, 2024 ainda não será um ano de retomada.
Entre as empresas analisadas no estudo, 15% possuem alavancagem acima de seis vezes em relação a sua geração de caixa. “Mais do que três vezes já é um patamar muito alto com a Selic neste nível”, completou Ricardo K.
O que mudaria o cenário?
Paralelo ao aumento da Selic nos últimos anos, as vendas das empresas de capital aberto não apresentaram aumento de volume que fizesse frente à geração de dívidas. Para normalizar esse cenário, seria necessário que as empresas voltassem ao patamar visto em 2019.
Segundo relatório divulgado pela empresa TCP Partners, foi projetado um aumento de 6% nos pedidos de recuperação judicial em comparação com o ano passado. Dados da Serasa Experian mostram que os pedidos subiram 68,7% em 2023, o maior número visto desde a pandemia.
Apesar desses dados, Ricardo K. ressaltou que os indicadores de pedidos de recuperação judicial não são representativos. Levando em consideração que no Brasil existem 21 milhões de empresas e quase 7 milhões têm pelo menos uma dívida em aberto. “Em um ano e meio muitas não vão conseguir pagar e terão que renegociar o débito. A recuperação judicial é um remédio amargo e de custo alto com advogados, administrador. Fizemos 128 reestruturações nos últimos anos, e só 29 foram RJs”, completou ele.
Ainda sobre estudo do Cemec
Conforme a análise, a taxa de crescimento das despesas financeiras atingiu seu ponto mais alto, atingindo 23% em 2021. No último trimestre de 2023, observou-se uma variação mínima, registrando apenas 0,1%. Paralelamente a esse dado, a diminuição na geração de caixa também apresentou uma redução, passando de -5,2% no primeiro trimestre de 2023 para -1,7% no terceiro trimestre do mesmo ano.
Diante desse contexto, nota-se que o índice de cobertura de despesas financeiras cessou sua tendência de declínio. Esse indicador evidencia a habilidade de uma empresa em quitar os juros de suas dívidas mediante a geração de caixa, sendo calculado com base na relação entre o lucro antes de impostos, juros, amortização, despesas financeiras e depreciação. Quanto mais elevado esse índice, mais favorável é a situação financeira da empresa.
Ainda sobre o relatório da Cemec – que avaliou 337 companhias – foi revelado que, em 2019, 11% das empresas pequenas e médias tinham o índice de cobertura abaixo de 1. A expectativa é que esse índice continue caindo entre as grandes empresas, mas antes de fazer uma projeção, é preciso considerar a variação de setores, o de serviços, por exemplo, está em desenvolvimento, porém de indústria e varejo ainda não conseguem aumentar a sua margem.
Projeção para o próximo ano
Uma projeção fundamentada na redução da taxa Selic indica uma possível recuperação na disponibilidade de crédito bancário e títulos de dívida no mercado de capitais. Essa perspectiva está aliada à expectativa de uma relativa estabilidade nos preços das commodities e à diminuição dos custos de financiamento provenientes de fontes domésticas e internacionais. Dessa forma, é previsto que as empresas encerrem o ano de 2024 com uma diminuição nas taxas de juros, iniciando o ano de 2025 com uma taxa em torno de 8%.
Diante das crises evidenciadas em 2023, o atual ano se configura como um período propício para a adoção de medidas cautelosas, tanto por parte das empresas quanto do mercado em geral. A escassez de crédito está gradativamente diminuindo, porém, as lições extraídas da crise são evidentes, restando agora uma questão de calibragem.
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